Eleições na Turquia: EUA aguardam ansiosamente a queda ou o retorno de Erdogan

Elijah J. Magnier

Trad. Alan Dantas

Neste domingo (14), a Turquia vai às urnas em uma eleição presidencial que pode moldar o futuro do país nos próximos anos. Cerca de 60 milhões de eleitores turcos irão às urnas, enquanto 3,5 milhões estão aptos a votar no exterior, elevando o número total de eleitores para cerca de 63,5 milhões. A eleição também decidirá quem ocupará as 600 cadeiras no parlamento do país. O mundo aguarda ansiosamente o retorno ou a queda do presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Ele governou o país por 20 anos e estabeleceu um equilíbrio entre o Oriente e o Ocidente, apesar da insatisfação dos EUA e da UE, o país membro da OTAN se tornou aliado estratégico da Rússia. Washington e Bruxelas têm se alarmado com a ascensão de homens fortes como Erdogan e Putin desde a virada do século, e a derrota de Erdogan não desagradaria ao Ocidente.

Rússia, EUA e UE:
O presidente russo Vladimir Putin e seu colega turco têm um relacionamento complexo. As tensões entre os dois chegaram a um ponto de ebulição em 2015, quando a Turquia abateu um avião de guerra russo perto da fronteira entre a Síria e a Turquia, o que Putin considerou uma “punhalada nas costas”. A Turquia continua fornecendo drones letais a Kiev, apesar das objeções russas na Ucrânia. Na Síria, Erdogan ainda está longe de se retirar. Ele está ocupando suas forças do noroeste, apesar das numerosas negociações russo-iranianas (e mantém forças no Iraque contra a vontade de Bagdá). Apesar dessas diferenças, eles compartilham uma oposição conjunta ao que consideram ser uma ordem global dominada pelo Ocidente.

Apesar dos desafios de relacionamento, Putin e Erdogan encontraram pontos em comum em sua oposição ao domínio do Ocidente e em seu desejo de desafiar a ordem global existente. Isso levou a um grau de cooperação entre os dois países e a um senso compartilhado de camaradagem e apoio mútuo. No mês passado, os presidentes russo e turco comemoraram o carregamento de combustível no primeiro projeto nuclear civil da Turquia. A usina nuclear de Akkuyu, construída pela corporação atômica Rosatom, controlada pelo Estado russo, por US$ 20 bilhões, simboliza o florescimento dos laços energéticos e econômicos bilaterais forjados pelos dois líderes durante suas duas décadas no poder. O nível de cooperação entre a Turquia e a Rússia está incomodando os Estados Unidos, que estão combatendo a Rússia em uma guerra por procuração em solo ucraniano.

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A Turquia tem mantido relações com os Estados Unidos, apesar das sérias divergências. Em 2016, a Turquia sofreu uma tentativa de golpe, que o presidente Erdogan atribuiu a um clérigo baseado nos EUA chamado Fethullah Gulen, principalmente após o apoio da embaixada dos EUA em Ancara à “revolução”. Após a tentativa fracassada de golpe, Erdogan concordou com o presidente russo Vladimir Putin em comprar o sistema de mísseis antiaéreos S-400 da Rússia por US$ 2,5 bilhões. No entanto, essa decisão desencadeou sanções ao setor de defesa dos EUA. Os EUA temiam que a plataforma russa pudesse permitir que Moscou obtivesse informações sobre seu caça F-35, que a Turquia encomendou e está ajudando a construir.

Muitos especialistas acreditam que Erdogan subestimou a disposição dos Estados Unidos de impor sanções de defesa e achou que não poderia simplesmente abandonar o S-400 sem prejudicar sua reputação. Essa situação levou a relações tensas entre a Turquia e os EUA.

A Turquia também teve conflitos com a França sobre a intervenção turca na Líbia e com a Grécia e o Chipre sobre recursos energéticos e fronteiras marítimas no Mediterrâneo Oriental. Mais recentemente, Erdogan bloqueou os esforços da Suécia (aprovou a adesão da Finlândia) para ingressar na OTAN, acusando os países nórdicos de abrigar “organizações terroristas” curdas. 

Refugiados sírios:
Para muitos sírios na Turquia, há pouca diferença entre o governo e a principal coalizão de oposição. Ambos prometeram expulsar os refugiados sírios do país e intensificaram sua retórica hostil contra imigrantes e solicitantes de asilo. Os sírios de nacionalidade turca que estão aptos a votar enfrentam uma escolha pouco inspiradora, e aqueles que podem votar constituirão um bloco significativo. Embora Erdogan e o candidato da oposição Kemal Kilicdaroglu tenham anunciado planos semelhantes para a repatriação voluntária de sírios, os eleitores sírios ainda veem Erdogan como o menor de dois males. Erdogan foi o único governante a estabelecer comunicação direta com os sírios de dupla nacionalidade para incentivá-los a votar em seu partido, o ‘Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP)’. A segurança dos sírios na Turquia agora é incerta, independentemente de quem vencer a eleição. Muitos eleitores sírios não estão satisfeitos com nenhum dos candidatos presidenciais e podem votar em candidatos independentes. Os eleitores sírios são vistos como um bloco importante nas próximas eleições parlamentares, já que a questão da migração se tornou uma força motriz na política turca.

Poder doméstico:
A eleição presidencial na Turquia se realiza em um momento crucial na história do país. É uma batalha entre dois candidatos e diferentes visões para o futuro do país e suas alianças internacionais. O resultado da eleição terá impacto sobre a Turquia, a região em geral e o mundo, cujos líderes estarão observando atentamente para ver quem sairá vitorioso.

A eleição será realizada com três candidatos na lista após a desistência de Muharram Ince, incluindo Recep Tayyip Erdogan, Kemal Kilicdaroglu (líder do Partido Republicano do Povo – CHP, de centro-esquerda) e Sinan Ogan (Partido do Movimento Nacionalista, de extrema direita). A oposição criticou a ordem final dos candidatos na lista, que dizem ter sido feita deliberadamente para favorecer Erdogan. De acordo com as pesquisas de opinião, Erdogan deve ganhar cerca de 40-45% dos votos, a mesma porcentagem de Kilicdaroglu. Espera-se que Ogan receba apenas 2-5% dos votos. As eleições presidenciais são consideradas mais importantes do que as eleições parlamentares porque a maioria dos poderes está agora concentrada nas mãos do presidente. Se ninguém vencer no primeiro turno, os resultados das eleições parlamentares poderão influenciar os candidatos presidenciais no segundo turno, em 28 de maio.

Um total de 26 partidos estão disputando as eleições, incluindo quatro alianças principais. A coalizão pública representa os partidos no poder, incluindo o Partido da Justiça e Desenvolvimento e o Partido Movimento Nacional. A oposição é representada por duas alianças principais: a Aliança Nacional, que inclui o Partido Republicano do Povo e o Partido do Bem, e a Coalizão do Trabalho e da Liberdade, que consiste no Partido Curdo da Esquerda Verde e no Partido dos Trabalhadores Turcos. A pequena Aliança Ata também é composta pelos partidos Vitória e Justiça. 

Erdogan está concorrendo à presidência pela terceira vez com uma plataforma de “o homem certo na hora certa”. Ele promete salários mais altos e isenções de impostos. Dirige críticas e ameaças à oposição, que, segundo ele, está aliada ao “terrorismo curdo” e ao “terrorismo” de Fethullah Gulen e está conspirando com o Ocidente para tornar a Turquia menor e privá-la de sua “independência”. O candidato da oposição da Turquia, Kemal Kılıçdaroğlu, do Partido Republicano do Povo (CHP), fez campanha com promessas de reforma e desmantelamento do sistema de controle que Erdogan construiu ao longo de duas décadas. 

A economia, um dos principais motivos dos sucessos anteriores de Erdogan, está ausente de sua campanha atual, e as preocupações dos cidadãos estão concentradas em suas condições de vida. A oposição está prometendo uma mudança de um sistema presidencial para um sistema parlamentar. Kilicdaroglu tem o apoio do maior grupo curdo, os eleitores do Partido Democrático do Povo Curdo, o que poderia ajudá-lo a vencer. As pesquisas de opinião sugerem que ele poderia ganhar até 70% dos votos curdos, em comparação com cerca de 20% do presidente Erdogan. As deserções do partido de Erdogan, como Ahmed Davutoglu e Ali Babacan, que fundaram os partidos ‘Futuro e Democracia’ e ‘Progresso’, também podem prejudicar as chances de Erdogan.

Os candidatos  estão retratando a eleição como uma guerra entre o movimento islâmico, representado por Erdogan, e o movimento secular, representado por Kilicdaroglu. Se Kilicdaroglu vencer, a Turquia poderá ver uma mudança no sentido da secularização e do afastamento da islamização do Estado. A vitória de Kilicdaroglu também seria uma vitória histórica, pois uma pessoa da seita minoritária Alevi seria presidente da república em um país onde a maioria é sunita. Historicamente, os alevitas têm sido discriminados e excluídos de posições influentes na sociedade. A presidência de Kilicdaroglu seria um passo significativo para quebrar esse tabu e aumentar a inclusão na sociedade turca.

Uma das principais questões em jogo na eleição é a possibilidade de mudar o sistema de governo da Turquia de presidencialista para parlamentarista. A oposição enfatizou esse ponto em suas promessas de campanha, dizendo que o sistema atual concentra muito poder nas mãos do presidente. Em contrapartida, um sistema parlamentarista distribuiria o poder de forma mais uniforme. A eleição é uma chance de mudar a autoridade e o próprio sistema. Se Erdogan perder, existe a possibilidade de uma política externa que favoreça os EUA e o Ocidente, em vez de manter um equilíbrio entre o Ocidente, de um lado, e a Rússia e o Irã, de outro. A batalha pelo poder na Turquia não será fácil, e suas consequências, se Erdogan perder, mudarão toda a dinâmica no Oriente Médio e no continente europeu.

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