Terremotos na Turquia e na Síria: os líderes ocidentais perderam seus valores ou estes nunca existiram?

Elijah J. Magnier

Trad. Alan Dantas

Um terremoto de 7,8 graus de magnitude atingiu a Turquia e a Síria, deixando pelo menos treze mil mortos e dezenas de milhares de feridos, estima-se que o número de falecidos aumente à medida que inúmeras pessoas sigam presas sob os escombros. De acordo com os serviços de emergência, as pessoas soterradas podem sobreviver entre 5 e 7 dias a partir da data do terremoto, dependendo das condições climáticas e de sua localização. Mais de 75 países afluíram à Turquia para oferecer todo tipo de ajuda, incluindo países como Armênia, Grécia e Suécia, que estão profundamente em desacordo com o Presidente Recep Tayyip Erdogan. A Turquia, que está teoricamente preparada para desastres naturais, acredita que a assistência técnica e humana não foi condizente com a escala do desastre. Mas o Ocidente, liderado pelos EUA e pela Europa, não enviou nenhuma ajuda imediata à Síria, que ainda não saiu de quase 12 anos de uma guerra devastadora, sujeita a duras sanções ocidentais e carece até mesmo de uma fração das capacidades da Turquia. Os líderes ocidentais abandonaram seus valores e colocaram a política à frente da solidariedade humana, ou esses valores sempre foram flexíveis?

O continente europeu acumulou sua riqueza ao colonizar outros países e continentes. Os impérios português, espanhol, britânico, italiano, austro-húngaro, francês e alemão saquearam países para roubar seus recursos naturais, a fim de trazer a prosperidade de volta ao continente europeu e construir uma indústria e uma economia fortes. Após a Segunda Guerra Mundial, o império americano emergiu no continente europeu. Ampliou seu controle e autoridade sobre o continente onde colheu os despojos da guerra após a derrota da Alemanha. Após o fim da Guerra Fria e a retirada da União Soviética da arena internacional, os EUA permaneceram inquestionáveis no trono mundial. A Europa, com sua mentalidade colonial, decidiu unir-se, esperando compartilhar os futuros despojos deixados pelos Estados Unidos da América para seus leais aliados.

O Ocidente estabeleceu padrões de ressonância, elogiando os direitos humanos e chamando à responsabilidade todos aqueles que os violam. Parece uma busca nobre, mas acaba sendo uma fachada para declarar guerra a qualquer país que não se submeta aos ditames do Ocidente. Tendo fracassado em subjugar países “rebeldes” através de guerras militares no Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia, e a tentativa de derrubar o governo iraniano, o Ocidente se voltou para punir o povo através de duras sanções. Estas sanções nunca derrubaram um governo ou mudaram suas ações ou políticas. O objetivo é voltar o povo contra seus governantes e substituí-los por outros que sejam mais brandos – ou mais obedientes – à política dos EUA.

De fato, quando o Secretário de Estado americano Rex Tillerson tomou posse, seu departamento delineou as instruções gerais a serem seguidas. “Usamos os direitos humanos somente contra nossos inimigos, tais como Rússia, China, Irã e Coréia do Norte, não contra nossos amigos”, diz um memorando vazado enviado a Tillerson para orientar suas ações políticas. Com estas poucas linhas, os países ocidentais resumem sua política real, que é a de empunhar pesado porrete diante dos países rebeldes e fechar os olhos às violações dos direitos humanos no caso de nações obedientes.

Os líderes do continente europeu seguiram as mesmas diretrizes, como disse Josep Borrell, o oficial encarregado das relações exteriores e vice-presidente do Alto Comissariado da União Europeia. “A Europa é o jardim e o resto do mundo é a selva”, disse Borrell, revelando a abordagem racista-colonial dos europeus. Os líderes europeus acreditam que a população do continente é superior à de qualquer outro país.

A observação final de Borrell é ainda mais espantosa. Ele diz que “a decisão da Europa de impedir qualquer mídia russa de trabalhar no continente é uma proteção da liberdade de expressão”. António Guterres, o Secretário-Geral das Nações Unidas, aludiu à “necessidade de monitorar e combater as falsas notícias na Internet”. Isto mostra a harmonia entre as mensagens da ONU e dos eurocratas. Eles estão dizendo ao mundo que a liberdade de expressão – que o Ocidente vem glorificando há décadas e que se distingue de qualquer outro país que não a respeita – consiste em restringi-la.

Isto não é novidade para a Europa e os EUA, que prenderam o jornalista Julian Assange por um período que poderia chegar a 175 anos por vazamentos de vídeos e documentos relacionados aos crimes dos EUA contra civis na guerra do Iraque. Assange também expôs os registros políticos e de segurança nacional dos EUA, assim como jornalistas fizeram em “Watergate” e muitas outras pistas que descobriram, ajudando a derrubar muitos líderes ocidentais sem serem processados.

Mais uma vez, o comportamento e os valores dos líderes ocidentais foram expostos em seu tratamento sobre o terremoto que atingiu a Turquia e a Síria. A grande mídia afirmou falsamente que o Presidente Bashar al-Assad não estava permitindo que a ajuda humanitária chegasse às áreas das províncias do noroeste da Síria sob ocupação turca, incluindo seus postos de fronteira. A província de Idlib, que está sob ocupação turca, e as províncias de Aleppo, Hama, Homs e Latakia, detidas pelo governo sírio, foram gravemente atingidas pelo terremoto. Somente em janeiro passado a ONU foi autorizada a entregar ajuda à província do norte de Idlib via Turquia, com o acordo do governo de Damasco e dos membros da ONU. O New York Times admitiu que a estrada estava bloqueada do lado turco por causa do impacto do terremoto e da operação de resgate transfronteiriço na área mais atingida.

“É irônico e contraproducente para nós abordarmos um governo (sírio) que tem brutalizado seu povo por 12 anos”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ted Price. Um diplomata ocidental confirmou que “o objetivo é levar o povo sírio a culpar seu presidente pela recusa dos países ocidentais em prestar ajuda.” Mais uma vez, os EUA e a UE culpam o governo sírio pela falta de ajuda humanitária, é uma campanha de desinformação para encobrir a falta de respeito dos líderes europeus pelos valores básicos. Esses líderes precisam desinformar o povo europeu, que foi educado com valores de direitos humanos e que tem uma enorme lacuna entre eles e seus líderes.

Esses oficiais europeus precisam entender que, em caso de guerra ou desastres naturais, o foco e a atenção das pessoas é primeiramente voltada para a tranquilização de sua condição física e pessoal. Depois, aqueles que ainda estão vivos na área mais afetada procuram por seus familiares mais próximos, incluindo filhos, esposas e pais que viveram com eles exatamente no mesmo lugar e que provavelmente foram enterrados sob os escombros. O próximo passo é procurar o que resta de seus pertences pessoais e ver se é possível salvar algum item de valor, pois o terremoto atingiu as pessoas no meio da noite, às 3h30 da manhã, sem aviso prévio. Então os sobreviventes terão que ser encaminhados para um abrigo aquecido adequado e acomodação noturna, ou para um lugar para esperar as próximas semanas. O próximo passo é encontrar comida para os membros da família sobreviventes e depois descobrir o destino dos demais, incluindo irmãos e parentes, para verificar seu estado, caso morem longe. Após o choque inicial e a constatação de que sua estadia temporária em uma tenda ou abrigo selecionado não é temporária, é provável que o governo demore muito tempo para encontrar uma solução adequada para reconstruir suas casas. 

Por causa da escala da destruição, pode levar muitas semanas até que os escombros sejam removidos. Ninguém estará prestando atenção à política nacional ou internacional. A atenção se concentrará no apoio social do Estado para a reconstrução, ou na tentativa de absorver o desastre e encontrar soluções para aqueles que sobreviveram. Muitas famílias foram destroçadas, algumas foram mortas ou feridas, menores deixados sozinhos terão que ser atendidos e dezenas de milhares de pessoas precisarão de cuidados médicos contínuos. O fardo para os governos turco e sírio será enorme.

As pessoas não pensarão em culpar seus líderes pelas consequências de um desastre natural, mas terão muita raiva de outros que terão a oportunidade de ajudar, mas optarão por não fazer. No caso da Síria, um país esgotado por anos de sanções da UE e dos EUA, as consequências são mais dolorosas para a população do que para o governo turco, que recebe ajuda de todo o mundo.

Em teoria, as sanções excluem a ajuda médica e os medicamentos. Entretanto, a Europa e os EUA impediram que a ajuda médica chegasse a vários países sancionados, inclusive durante a Covid-19, e estão impedindo que a ajuda humanitária chegue à Síria, acusando o governo sírio pela falta de humanidade do Ocidente. Mesmo depois que as Nações Unidas reconheceram que o caminho para o norte da Síria havia sido cortado pela Turquia, que foi danificada nesta passagem particular da fronteira, o Ocidente ainda está se distanciando das consequências devastadoras do terremoto na Síria.

Entretanto, o governo apelou a todos os amigos e inimigos para que ajudassem o povo sírio. Os aeroportos de Alepo e Damasco estão abertos a qualquer pessoa que deseje prestar ajuda humanitária. Os Emirados Árabes Unidos, Egito, Iraque, Irã, Rússia, China, Argélia e Tunísia enviaram muitos aviões, e vários países como Arábia Saudita, Índia e Paquistão concordaram em ajudar. Mas a Síria precisa de mais de 800 bilhões de dólares para reconstruir o país devastado pela guerra. A riqueza da Síria em petróleo e gás está sendo roubada pelos EUA, que estão estacionados no nordeste da Síria, controlados pelos curdos, que se recusam a ajudar seus concidadãos sem a aprovação dos EUA. Várias centenas de tremores de terra foram registrados na Síria, causando danos a edifícios já degradados.

A humanidade elogiada pelos líderes ocidentais está ausente nas mais sombrias circunstâncias catastróficas de um desastre natural. Dezenas de hospitais foram destruídos, milhares de pessoas perderam suas vidas, membros da família e pertences, e ficaram sem abrigo. Isto não é suficiente para mover os líderes ocidentais, que enviaram 100 bilhões de dólares em armas para apoiar uma guerra na Ucrânia, mas impediram que migalhas sustentassem a sobrevivência daqueles que não perderam suas vidas no terremoto. Este é um sinal perigoso de que os líderes ocidentais perderam seus valores fundamentais e que os dois pesos e duas medidas são os novos valores absolutos revelados pelos acontecimentos recentes. Os líderes do Ocidente estão desligados dos valores em que europeus e ocidentais acreditam.

Os países que não se reivindicam democráticos têm se mostrado mais humanos do que os países ocidentais quando se trata de ajudar os que enfrentam desastres naturais. As ações revelam os verdadeiros valores das nações e que o “dois pesos e duas medidas” são o verdadeiro lema dos países que reivindicam civilização, humanidade, democracia, liberdade e preocupação com os direitos humanos.

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