
Elijah J. Magnier:
Trad. Alan Dantas
Em uma surpreendente reviravolta nos acontecimentos, Yevgeny Prigozhin, comandante das forças Wagner da Rússia, se rebelou abertamente contra a autoridade militar do Kremlin. Chegou até a expressar seu desejo de que o ministro da defesa, Sergei Shoigu, fosse julgado e condenado na Praça Vermelha de Moscou. O presidente Vladimir Putin, como Comandante-em-Chefe das forças armadas, interveio rapidamente, acusando Prigozhin de traição, sem citar seu nome. Com o destino de Prigozhin em jogo, as negociações para acabar com a rebelião foram cruciais para evitar que a Rússia mergulhasse em uma guerra civil. Com a aprovação de Putin, o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, interveio e mediou a situação com sucesso. O presidente russo conseguiu reprimir a rebelião sem recorrer à violência. Em vez de destruir o comboio do Wagner, que transportava vários milhares de rebeldes para Moscou sem nenhum propósito estratégico, ele levou o pessoal do Grupo para o Ministério da Defesa e enviou seu líder para o exílio em Belarus. Essa decisão evitou um possível confronto, pois as forças chechenas de Akhmat, estacionadas fora de Rostov, o centro de comando da frente sul, estavam prontas para enfrentar Prigozhin e suas tropas. Mas o que levou Prigozhin a se voltar contra o Kremlin e o presidente como comandante-chefe de todas as forças armadas, e quais são os fatores subjacentes por trás de seu movimento rebelde?
A disputa entre o Ministério da Defesa da Rússia e as forças do Grupo Wagner começou em 2018, durante suas operações na Síria. As tensões aumentaram quando as forças do Wagner, tentadas a cruzar o rio Eufrates em busca dos remanescentes do ISIS, enfrentaram ataques aéreos americanos que resultaram em baixas significativas entre os
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contratados russos. A liderança do Wagner acusou o Kremlin de não coordenar de forma eficaz com o quartel-general de Hmeimim, a base russa no oeste da Síria, e a liderança americana que ocupa o nordeste da Síria. O incidente, que o Kremlin minimizou como sendo um dano colateral, estremeceu ainda mais as relações entre as duas entidades.
Apesar do incidente sangrento, o relacionamento entre o Ministério da Defesa e as forças de Wagner, uma empresa não governamental militar, permaneceu cooperativo. A Rússia continuou a usar o Wagner em várias áreas de influência, incluindo Sudão, Líbia, África Central e Mali. O Kremlin usou o Wagner para fugir da responsabilidade oficial quando necessário, da mesma forma que o Pentágono usou a chamada “Blackwater” em várias partes do mundo, principalmente durante a invasão do Iraque.
A guerra na Ucrânia expôs a vulnerabilidade do exército russo, que foi pego de surpresa pelas táticas ocidentais usadas contra ele. A presença de cinquenta países ocidentais com experiência em guerra, dirigindo as operações militares na Ucrânia a partir da base alemã de Ramstein, permitiu que eles explorassem os pontos fracos do exército russo. O presidente Putin percebeu que seu exército não correspondia às suas ambições políticas e que era necessário um esforço de reconstrução e rearmamento para enfrentar esses desafios, ou seja, para modernizar a eficácia, o comando e as instituições militares. Retirar-se da Ucrânia e admitir a derrota não era uma opção, e Putin está aproveitando a oportunidade para introduzir as reformas tão necessárias.
Nessas circunstâncias, o Kremlin recorreu às Forças do Wagner, compostas por combatentes experientes e oficiais seniores aposentados. Elas também incluem unidades especiais desativadas que desempenharam um papel importante na Batalha de Bakhmut, na Ucrânia. Mas o foco exclusivo da mídia ocidental em Bakhmut desviou a atenção de outras frentes. A recusa dos Estados Unidos e de seus aliados em permitir que as forças ucranianas se retirassem da cidade estratégica levou a combates prolongados que finalmente terminaram a favor da Rússia depois de vários meses.
Embora a narrativa da guerra fosse responsabilidade do porta-voz do Ministério da Defesa, o comandante do Wagner procurou estabelecer sua própria presença na mídia. Ele começou a aparecer nas mídias sociais, fornecendo detalhes da batalha de Bakhmut e destacando as conquistas de suas tropas. Essas ações aumentaram o moral da Rússia, pois a população consumia informações e imagens que mostravam as vitórias lentas, mas constantes, de Wagner no campo de batalha. Prigozhin começou a criticar a liderança militar, acusando-a especialmente de não ter fornecido a munição necessária durante a batalha. Ele até ameaçou retirar suas forças de Bakhmut se não recebessem a munição necessária. Prigozhin atacou o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, acusando-o de negligência e corrupção. A comunidade internacional tomou nota dos comentários de Prigozhin e do destino de Bakhmut, reconhecendo que o verdadeiro campo de batalha se estendia por mais de mil quilômetros, de Lugansk e Donetsk a Zaporizhia.
Percebendo que a Batalha de Bakhmut estava chegando ao fim, o Kremlin começou a adicionar o pessoal do Wagner às suas próprias listas, incluindo aqueles com antecedentes criminais, em uma tentativa de recuperar o controle dessas forças e minar a influência de Prigozhin. À medida que a batalha se aproximava do fim, o comandante do Wagner começou a discutir a retirada de suas forças da Ucrânia, sinalizando indiretamente o plano do Kremlin de removê-lo de cena. Prigozhin acreditava que sua popularidade após a vitória de Bakhmut impediria que Moscou o marginalizasse. Ignorando o fato de que ninguém é indispensável, o líder de Wagner disse que seus soldados haviam retornado à Rússia para fazer compras e que o povo estava oferecendo produtos de graça, o que enfatizava a popularidade decrescente de seu movimento. O governo russo havia até permitido uma ampla publicidade incitando as pessoas a se juntarem ao Wagner, que foi prontamente removida de todas as cidades russas após o levante.
Menos de duas semanas antes, o comandante das forças Wagner havia anunciado que estava se retirando da linha de frente na Ucrânia e se mudando para a cidade de Rostov, no sul, durante o breve levante. Ele posicionou suas tropas no centro de comando e controle no centro da cidade e no aeroporto militar, tudo sem nenhuma resistência das forças regulares.
No entanto, não ficou claro como Prigozhin, que comandava alguns milhares de combatentes, controlaria uma cidade tão grande (Rostov é geograficamente maior do que a Bélgica e cinco vezes maior do que o Líbano). Além disso, ele enviou apenas uma fração de suas forças em um comboio em direção a Moscou, que fica a 1.000 quilômetros de Rostov e abriga 25 milhões de pessoas e a maior parte das forças armadas russas.
O fato de que Prigozhin precisava de um plano mais estratégico do que buscar atenção e contar com Putin para negociar com ele ficou claro à medida que seu comboio avançava pela M4 em direção à capital Moscou. Apesar dos possíveis danos que poderiam ser causados por um confronto entre as tropas regulares e as forças especiais do Wagner, a rebelião não foi bem-sucedida desde o início. A situação destacou a aparente incapacidade da liderança russa de controlar os assuntos internos.
Os eventos na Rússia são significativos porque Prigozhin desviou a atenção da guerra na Ucrânia sem necessariamente afetar a dinâmica no campo de batalha. Ele havia prometido “destruir todos aqueles que estivessem em seu caminho”. No entanto, a presença de um pequeno número de suas forças em Rostov não tinha muito objetivo.
O impasse de Prigozhin com o presidente Putin e sua atitude imprudente acabaram por lhe custar uma popularidade considerável. Putin resolveu a questão rapidamente, demonstrando a coesão de sua liderança e reprimindo com eficácia a rebelião do Wagner antes que ela saísse do controle. Prigozhin, líder de forças mercenárias motivado por ganhos financeiros, está deixando a Rússia, onde fez fortuna, para um futuro incerto em Belarus. Agora, as atenções se voltam para a reorganização do Estado russo, que aprende com os erros do passado e se prepara para enfrentar as reformas internas e a guerra contínua com o Ocidente.
Do dia para a noite, o Wagner foi transformado, aos olhos da mídia ocidental, de um “grupo terrorista mercenário sujo” em uma “força de combate à corrupção russa”. Os observadores ocidentais que esperavam uma revolta prolongada ficaram desapontados quando ela foi rapidamente encerrada antes do fim do dia. A costumeira frieza do presidente Putin em crises sinalizou um futuro incerto para a organização Wagner e para seu ex-líder, a menos que Prigozhin conseguisse encontrar apoiadores estrangeiros para apoiar seu desafio ao Kremlin. Mas a euforia no Ocidente durou pouco, pois o líder da Wagner, conhecido como “chef de Putin” (por ser proprietário de restaurantes e empresas de catering que prestam serviços ao Kremlin), fez sua última refeição na Rússia.
Os acontecimentos na Rússia servem como um lembrete da importância da rebelião de Prigozhin, que temporariamente desviou o foco da arena ucraniana. Ainda não se sabe como o Estado russo, depois de conter rapidamente a rebelião, corrigirá os erros do passado, continuará as reformas internas e administrará o conflito em andamento com as potências ocidentais.
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